Fundado em 06/06/1993
Nesta última segunda, dia 12 de março de 2007, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em São Bernardo do Campo na cerimônia de comemoração dos 30 anos de greve na Scania.
São Bernardo do Campo, 12 de maio de 2008;
Meus queridos companheiros metalúrgicos,
Minhas queridas companheiras...
Olha que “Lulinha” bonito. A orelha está maior do que a minha, na verdade, mas...
Bem, meus companheiros e companheiras,
Eu queria tomar todo o cuidado para não transformar... Você podia tirar essa camisa e levar, e me dar essa camisa do João Ferrador. Está aqui? Abre aqui, Marisa.
Eu estou, aqui, querendo tomar todo o cuidado do mundo para não transformar essa noite de hoje na noite da nostalgia. E eu já não subi aqui para ver o filme porque não é correto um Presidente da República chorar aqui, no Sindicato, até porque no filme eu chorei.
E sabe que me encontrar com companheiros, companheiros que trabalharam comigo neste Sindicato, e companheiros que continuam trabalhando, é sempre motivo de muita alegria.
Eu lembro que quando cheguei neste Sindicato, em outubro de 1968, para me sindicalizar – não esqueço nunca o número da minha matrícula, 25986, de 1968 – eu encontrei, dentre os diretores do Sindicato, que me convenceram a vir para cá, um deles está aqui, o nosso companheiro Antenor Biolcatti, que depois foi tesoureiro do Sindicato, vereador em Santo André.
Mas, depois, eu encontrei duas pessoas aqui, companheiro Sérgio Nobre, nosso querido futuro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, depois eu encontrei duas pessoas que, na época, eram funcionários do Sindicato. Duas pessoas a quem eu quero muito bem, a quem eu devo parte do que sou, na minha vida. Uma delas é aquela senhoria que está ali, a doutora Nébia, com uma camisa do João Ferrador. O outro é um companheiro que eu costumava chamar de “Peleguinho”, que está aqui, que é o doutor Maurício.
Um outro companheiro que marcou muito a minha vida, ele está aqui, no meio do povo, baiano, o nosso companheiro doutor Antônio Possidônio Sampaio. O Sampaio, eu o conheci na mesma época do companheiro Teles, que não é menos amigo que o Possidônio; do doutor Rui, que não é menos amigo que o Teles. Mas o Possidônio tinha uma característica especial. O Possidônio era aquele companheiro que gostava de uma prosa. E ele gostava de tomar um dedinho de cachaça com o cambuci.
Então eu, vira e mexe, estava convidando o Possidônio para ir lá para casa, para prosear um pouco. Ele, sempre com muito medo, porque ele comprou um fusquinha e ele não sabia sequer manusear a chave para trocar a roda do carro. Mas sempre que a gente tinha dificuldades aqui, eu levava o Possidônio, ou para um bar, para tomar “51” com limão, ou lá para casa, para a dona Marisa ofertar para ele uma pinguinha com cambuci.
Eu estava dizendo para o doutor Maurício, Possidônio, que eu estava em Lauro de Freitas, agora, na Bahia, e um cara gritou: “Eu sou amigo do Possidônio”. Eu falei: “O cara era forte, porque faz 40 anos que ele deixou a Bahia e ainda tem um amigo.”
Bem, eu estava vendo, ali atrás, o meu amigo Osvaldo Rodrigues (inaudível), companheiro de quem Marisa e eu somos padrinhos de casamento, meu assessor econômico, que um dia saiu para atender a um chamado do pai e ficou 75 dias preso. Magro daquele jeito, torturado, mas é um companheiro que tem suas convicções ideológicas tão assentadas e que, depois de tudo que ele passou, ele continua fiel até hoje aos princípios que nortearam a sua formação. Muito amigo do Frei Chico. Eu nem sei se o Frei Chico está por aí. Eu sei que estava. Mas eles eram do “Partidão” e fingiam que não se conheciam na minha frente. O Wagner, também. Eles eram amigos do Frei Chico e fingiam perto de mim que eram estranhos, para eu não saber que eles eram...
Eu estou vendo, aqui, meus companheiros de diretoria. Não posso falar das outras diretorias para não cometer injustiça, mas eu estou vendo o companheiro Expedito Soares. Companheiro que vindo das Minas Gerais, foi motorista de ônibus, depois diretor desse sindicato, depois deputado estadual e, agora, advogado desse sindicato;
Eu estou vendo, aqui, um companheiro que não foi do meu sindicato, mas é um companheiro que marcou história comigo, que é o companheiro José Cicote, diretor do sindicato de Santo André em uma época muito importante;
Estou vendo, aqui, o meio quilo, Mariano Palma Vilata, nosso companheiro diretor do Sindicato, companheiro do conselho-fiscal, que brigava tanto para as notas do Sindicato estarem em dia. Brigava tanto, que me obrigou instituir a diária no sindicato, coisa que eu quero fazer no governo federal para acabar com sacanagem, instituir logo a diária para todo mundo saber;
Companheiro compadre Nelson Campanholo, que está na minha frente, está a mesma coisa, não envelheceu, apesar que a Carmélia se queixa muito. Eu falo que ele não envelheceu, aparentemente, mas a Carmélia se queixa muito, meu padrinho de casamento, meu e da Marisa;
Eu estou vendo, aqui, o companheiro Vasile Volcov, nosso companheiro da antiga Chrysler;
Eu estou vendo, aqui, meio parecido com Guevara, mas é o companheiro José Venâncio, companheiro Venancinho;
Onde está o Cláudio Rosa? Eu estou vendo ali o companheiro Cláudio Rosa. Você está parecendo muito mais um intelectual cubano do que um ex-sindicalista aqui do ABC;
Bem, se alguém for vendo mais companheiros, além dos que estão aqui na mesa, Gilson, Djalma, Rubão, os companheiros da minha diretoria... Onde está o Manuel Anísio? O Anísio enche mais o saco agora do que antes, com esse negócio de ele ser presidente do Sindicato dos Anistiados. Onde está o Mané?
Bem, meu companheiro Djalma, companheiro Gilson, companheiro Rubão e quem mais da minha diretoria aqui? E um companheiro que não era da minha diretoria, mas que tem uma importância na minha vida de militante sindical, o companheiro Bolinha. O Bolinha entrou como aprendiz do Senai, na Villares, quando eu já era torneiro mecânico, portanto, eu tenho mais experiência do que o Bolinha. Depois que vim para o sindicato, depois o Bolinha foi mandado embora da Villares, veio para a Brastemp. Na Brastemp, eu conheci o Bolinha já militante político, meio adepto das teorias do Oswaldo Rodrigues Cavinato, mas muito meu companheiro, bebia bastante. Eu, às vezes, o levava lá para casa, ficávamos bebendo até meia noite, depois eu tinha que levá-lo à Vila Baeta. Depois, ele foi para Sorocaba, virou o presidente do sindicato e é, na minha opinião, um dos companheiros mais preparados do movimento sindical brasileiro. Já é avô, neto e outras coisas mais que vocês queiram.
Eu estou vendo aqui, um companheiro que me deu muito trabalho, aqui, que é o Topo Gigio. Ora, como esse baixinho me dava trabalho, rapaz. Se a mulher dele estivesse aqui, eu ia dizer que ela era uma santa, porque aturar o Topo Gigio...
A companheira Divina;
Eu estou vendo aqui a Rosa, companheira do Mariano, está aqui do lado;
Eu fico com medo de ficar citando as pessoas, vou esquecer alguém, o cara sai daqui zangado;
Nosso companheiro Oswaldo, ex-prefeito de Mauá,
O meu companheiro advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que quando nós estávamos presos era o advogado que ia nos visitar na cadeia e trazer para cá os bilhetes que a gente precisava, para que fosse comunicada a Assembléia,
E tantos companheiros que, se eu esquecer os nomes, eu penso que vocês vão me perdoar,
Mas eu queria dizer para vocês que eu sou um pouco o resultado daquilo que cada um de vocês representa ou representou, neste País. Eu sempre disse que a minha consciência era resultado do estágio da evolução política da classe trabalhadora. Eu nunca me considerei mais, nunca me considerei menos. Eu me considerava uma média, sobretudo quando a tia trazia aqui, para mim, uma latinha de coca-cola, que dentro não tinha coca-cola coisíssima nenhuma, tinha um conhequezinho Domecq, que era para esquentar a goela. Porque hoje as pessoas podem achar ruim esse negócio de beber, mas fazer uma assembléia às 4 horas da manhã, na porta da Volkswagen, com um frio desgraçado desses, se você não toma um copinho de “baba”, você não conseguiria falar.
Bem, eu penso que tudo isso que eu aprendi aqui me formou como dirigente sindical, me formou como dirigente político, e me fez chegar à Presidência da República.
Eu estava vendo um companheiro aqui, o Damasceno, eu falei: “Marinho, o Damasceno não fica velho, não?”. Aí o Marinho falou: “Mas, também, ele não trabalha, só enche o saco da gente. Então, ele estava...”. Estou vendo a sua companheira. Onde está o Vinícius?
Bem, companheiros, o filme que vocês passaram aqui, hoje, é um pouco o retrato daquilo que foi o momento que nós vivemos. Tem um ato, ali, muito forte, que eu não sei se vocês estão lembrados, eu chorei, que é o ato da devolução do Sindicato para nós, em 1979. Tinha a desconfiança de alguns trabalhadores que nós tínhamos traído a categoria, por isso o sindicato tinha sido devolvido para nós. E eu, então, resolvi, num gesto que não é normal no Movimento Sindical brasileiro, convocar uma assembléia para saber se os trabalhadores queriam que nós voltássemos para o Sindicato, e vocês viram que nós colocamos em votação. E colocamos em votação porque nós tínhamos a convicção que só tinha uma razão de a gente ser diretor desse sindicato: era se nós fôssemos merecedores da confiança dos trabalhadores.
E todo mundo aqui sabe o que significou a greve da Scania na vida de cada um de nós. Eu estava sentado naquela mesa ali, onde tem a mesa do Feijóo hoje, depois de 8 de julho será a mesa do nosso companheiro Sérgio Nobre, quando eu recebi um telefonema, não sei se do Gilson ou do Severino, dizendo: “Olha, a Scania entrou em greve”.
Hoje é muito fácil a gente discutir isso. Mas naquele tempo, era um tempo muito nervoso. E o pessoal parou, dentro da fábrica... Eu sinto falta de um companheiro como o Severino, que era secretário-geral do Sindicato e nunca mais o vi; do companheiro Augusto, que era militante de base, era até um intelectual nosso, dentro da Scania, que não o vi mais.
Mas eu lembro – não sei se o Augusto está aqui – mas eu lembro que naquele dia eu aprendi o que é você ser herói e virar bandido na mesma hora. Eu lembro que nós fomos de tarde na Scania, o diretor da Scania era um sueco chamado Ladislau, fizemos um acordo importante com o Ladislau. Era um acordo que, certamente, nós imaginávamos que fosse balizar os acordos que a gente ia fazer no futuro.
E o que aconteceu? É que, depois que nós fizemos o acordo com a Scania, nós fomos à assembléia lá, propor a volta do pessoal, o pessoal voltou, falou o companheiro Gilson, eu falei, falou o companheiro Severino, não sei se falou o companheiro Augusto. O dado concreto é que a peãozada acreditou na gente e voltou a trabalhar, e o acordo estava feito.
Acontece que na noite em que nós fizemos o acordo, o Sindicato da Indústria Automobilística, na época presidido pelo Mário Garnero, juntou a Ford, juntou a Volkswagen, juntou a Mercedes, juntou a GM e decidiram pressionar a Scania para a Scania não confirmar o acordo conosco. O que aconteceu? No dia seguinte, todo mundo volta a trabalhar, a Scania montou um esquema policialesco dentro de cada setor, não permitindo que os trabalhadores se comunicassem, não deixou mais a gente fazer assembléia na porta de fábrica e não cumpriu o acordo que a gente tinha firmado. Para os trabalhadores da Scania, nós tínhamos feito uma traição imperdoável. O Gilson sabe como foi difícil aqueles 15 dias malditos na nossa vida.
Depois, a Volkswagen não conseguiu entrar em greve, apesar dos ferramenteiros da Volkswagen quererem fazer greve. Muitos companheiros choravam, querendo fazer greve e não conseguiam parar dentro da Volkswagen, tal era a repressão dentro da Volkswagen.
Depois, a Mercedes-Benz queria parar e também não conseguia parar. Está aqui o Rubão, o Djalma que eram da Mercedes-Benz. Foi uma coisa muito difícil. Mas a nossa gloriosa Ford conseguiu parar todinha. Certamente por causa do Meneguelli, do Guiba e de tantos outros companheiros lá dentro e do Feijó. Bem, foi a greve da Ford que nos deu sustentação para que a gente segurasse, durante 15 dias, e depois a gente, então, fizesse uma negociação na sede do Sinfavea, em que a gente fez um acordo. Esse acordo foi acompanhado o tempo inteiro, naquela época era o DOPS que acompanhava, o Tuma era o delegado do DOPS, acompanhou as negociações, nós fizemos um acordo, e viemos comunicar o acordo à categoria. Fomos o doutor Maurício e eu para a Ford tentar vender o acordo, era um clima muito tenso. A peãozada na Ford, eu não sei se era a seção de manutenção, seção de montagem, onde trabalhava o Betão. Ferramentaria, não. O pessoal de macacão azul. Usinagem. Que era o setor mais porreta de lá. Porque a Ferramentaria, o Meneguelli já estava lá, já era mais peleguinho, ele e o Guido. Então, era o clima muito tenso. O doutor Maurício e eu fomos para dentro da fábrica, subimos em umas escadas lá. Foi preciso falar uns palavrões, o pessoal aceitou o acordo e aí esse acordo foi estendido para a Scania, para a Mercedes, para a Ford, para a Volkswagen e nós transformamos a greve da Ford em uma conquista de outras categorias.
Mas a greve da Scania, foi a primeira grande lição que eu tive na vida: a lição de você fazer um acordo e não ser cumprido, a lição de você ser chamado de traidor, a lição de você perder a confiança naqueles que tinham depositado em alguns momentos o seu destino e o seu futuro nas nossas mãos. E não é culpa do Gilson, não é culpa do Severino ou não é culpa minha, nós apenas acreditamos em um esboço de papel feito entre nós e a diretoria da Scania.
Depois é importante, porque tem gente nova aqui. Depois, veio 79, que foi a mesma coisa. Em 79, nós fizemos uma das greves mais emocionantes deste País. Eu dei uma trégua de 45 dias para os trabalhadores. E depois, na trégua, nós fomos para a porta de fábrica preparar uma verdadeira guerra. Acontece que, quando ia chegando à época de acabar com a greve, eu entendi que o acordo feito pela indústria automobilística era um acordo importante para nós. Nós fomos para o estádio da Vila Euclides para propor a aprovação do acordo. Eu estou vendo gente aqui que estava lá naquele tempo. E nós combinamos o seguinte: nós colocamos o alemãozinho, na época era nosso, daqui da base, para falar, que ele era favorável ao fim da greve. Quando ele abriu a boca, tomou uma vaia muito grande. Lembro que o doutor Maurício tinha que explicar a pauta de reivindicação para os trabalhadores e lembro que eu tinha que propor o fim da greve e a aceitação do acordo.
Ora, com a leitura da pauta de reivindicação feita pelo doutor Maurício, estava visível na assembléia que a gente jamais conseguiria aprovar aquela pauta de reivindicação, estava muito difícil. Eu, então, eu decidi, ao invés de propor em votação, companheiro Melo, estou te vendo agora, com um bigodão parecido com (inaudível). Então, eu, ao invés de propor a aceitação do acordo, eu propus um voto de confiança a mim. Eu propus um voto de confiança na diretoria do Sindicato, coloquei em votação e os trabalhadores nos deram um voto de confiança. Mas aquele voto de confiança que eles deram e depois saíram do estádio xingando a gente de traidor, xingando a gente de filho de não sei das quantas, tudo quanto é nome. E foi uma coisa extremamente importante.
Veja, na época, nós tínhamos sido cassados do Sindicato e eu para não comprar um fusquinha, aqui, em São Bernardo, e para a peãozada não dizer que eu tinha me vendido pelo fusquinha, eu fui comprar um Fiat 145, que até hoje está com o Damasceno e o Meneguelli não me pagou a última prestação. Vendi para o Meneguelli, que vendeu para o Damasceno, e o Meneguelli até hoje me deve. Se eu for colocar a correção monetária e os juros, você me deve muito dinheiro, viu, Meneguelli?
Bem, mas naquela greve, de 79, hoje eu estou convencido de que nós fizemos um dos melhores acordos já feitos por este Sindicato. Estou convencido disso, passados 30 anos. Mas naquela época, a gente tinha preparado os companheiros para uma guerra, era tudo ou nada. Então, era aquele negócio do companheiro dizer: “Eu agüento 100 dias de greve, eu agüento 200 dias de greve, eu agüento 300, 400, 500...” Eu me sentia quase que um camundongo ali, na frente de companheiros tão heróicos. Nós passamos um ano para recuperar o prestígio, os companheiros se lembram: um ano, em que a gente ia na porta da fábrica fazer assembléia, a peãozada nem parava para a gente. Nem parava.
Eu lembro que uma vez um jornalista, que hoje trabalha na prefeitura de São Bernardo, um jornalista chamado Edson Mota, não sei se está... Está aí, o Edson Mota? Eu lembro que o Edson Mota, uma vez, escreveu um artigo dizendo o seguinte: “Lula fala para os ouvidos moucos dos trabalhadores da Ford”. Eu não esqueço dessa frase, no Diário do Grande ABC. E era verdade, porque o pessoal não parava. A gente falava: “Olha, companheiros, vai falar o Lula, vai falar o Djalma, vai falar não sei quem”. Peão, só com raiva da gente.
Nós tomamos a decisão... Aqui, neste Sindicato, a gente fazia reunião de diretoria, muitas vezes, não eram poucos os que choravam. A situação estava muito difícil, na porta de fábrica. Muito difícil. Quando foi no final do ano de 1979, a gente decidiu que ia para a porta de fábrica enfrentar a companheirada, e iríamos fazer um movimento muito mais forte em 1980. Eis que aconteceu exatamente isso. Fomos para a porta de fábrica, engrossamos o discurso e fizemos a greve de 80, muito mais forte do que a de 1979.
Vejam o paradoxo que aconteceu entre as duas greves: em uma, nós ganhamos muita coisa, do ponto de vista material: ganhamos aumento de salário, ganhamos os dias parados, evitamos que descontassem nas férias, ganhamos Fundo de Garantia. Na outra, nós não ganhamos exatamente nada, voltamos a trabalhar a zero. Mas ela permitiu duas coisas. Primeiro, que a gente ganhasse, do ponto de vista da consciência política, o que certamente alguém ganhou em uma universidade, porque a peãozada descobriu que a greve de 79 tinha sido forte, e descobriu que eles não tinham a força que eles pensavam que tinham. Porque é muito fácil o cara falar: “Não, eu agüento 40, 50 dias”. Mas quando chega 30 dias, que a empresa começa a mandar cartinha dizendo: “Vai ser mandado embora por abandono de emprego”. Chega em casa, a mulher começa a falar: “Onde está o dinheiro do aluguel? Onde está o dinheiro da luz? Onde está o dinheiro do gás? Onde está o dinheiro não sei das quantas?”, cada um de nós pensa como ser humano, como pai, e cada um de nós aumenta a nossa coragem ou diminui a coragem. Não se trata nem de coragem, se trata que a gente quer preservar o nosso emprego, a gente quer preservar o pão nosso de cada dia.
Eu estava preso, e não eram poucos, o Greenhalgh, o Teotônio Vilela, Almir Pazianotto Pinto, o meu irmão Frei Chico, e vários outros companheiros que iam me visitar, Airton Soares: “Lula, manda uma cartinha para acabar com a greve”. Eu dizia: Não, eu fui chamado de traidor em 79, e o pessoal dizia que agüentava até a morte. Agora, se depender dessa boca aqui, não tem fim de greve não, eu quero ver até onde que a gente agüenta, porque eu não vou mais ser chamado de traidor na porta de fábrica, não. Eu não vou mais ser chamado de traidor, vamos ver até onde a gente agüenta.
Aconteceu exatamente aquilo que o bom-senso indicava. Ou seja, nós temos um limite, porque o limite é o limite da sustentabilidade da nossa família, dos nossos filhos, dos nossos compromissos. E chega uma hora que o pessoal começava a falar: “Lula, manda uma cartinha só da cadeia, não precisa dizer para acabar, dá um toque que a gente acaba”. Eu falei: “Não, não. Eu morro aqui, mas eu não dou esse toque”.
Bem, não dei o toque, e a greve acabou. Ela durou... Eu fui preso tinha 17 dias de greve, ela durou... Aliás, acho que foi burrice me prender, porque a greve, estava em uma situação tão difícil, que a gente não tinha mais discurso para ir para a porta, para o campo, falar. Depois de 17 dias sem negociação, a gente não tem mais argumento. O peão falava assim para a gente: “Alguma novidade? Alguém conversou com você? Alguma empresa chamou?”. Ninguém chamou.
Fizemos um acordo na Scania. Está aqui o doutor Maurício, o nosso companheiro Arena, que fez um acordo conosco, e foi um bom acordo. Porque era mecânica, mas o Salvador Arena era o dono da (inaudível) mecânica, e foi um bom acordo, fizemos um bom acordo com o Salvador Arena. E foi a única empresa que fez acordo conosco. Dizem, depois, o Salvador Arena não sei se conversa com o Maurício, mas comigo... Viu, Maurício? Você sabe que no dia que ele morreu, eu estava embarcando para Alagoas e ele me ligou, queria conversar comigo. Eu chego em Alagoas e recebo a notícia da morte dele. Ele disse que recebeu muita pressão do Golbery, porque tinha feito acordo com a gente.
Mas a verdade é que a greve... Eu fiquei... A greve durou mais 24 dias depois que eu fui preso, junto com outros companheiros aqui, que foram presos. E a greve acabou com 40 dias, eu saí da greve. E, aí, os trabalhadores descobriram a grande conquista: a conquista não é material, a conquista, no fundo, no fundo, é uma conquista de consciência política. A greve da qual nós voltamos sem nada, foi a greve em que nós, a partir daí, firmamos a convicção de criar a CUT, firmamos a convicção de firmar o Partido dos Trabalhadores, ou seja, firmamos outras convicções.
Bem, eu, pelo olhar da Marisa, já estou falando demais. E eu conheço a Marisa, não vou... Não, mas eu vou parar em 80. Por que eu estou dizendo isso, companheiros, cheguei até 1980? Porque cada milímetro de coisas que nós conquistamos aqui... Hoje é muito fácil. Hoje qualquer um deles aqui convida vocês para ir dentro da Volkswagen e vocês entram na Volkswagen, na Mercedes-Benz, vai na sala da comissão de fábrica, toma café, almoça, janta, sai, e a diretoria da empresa não enche o saco.
Naquele tempo, para a gente levar o caminhão de som na porta de fábrica, quantas vezes, Nelsão, nós tivemos que quebrar aquela corrente que o Coronel Rudi colocava na porta da Volkswagen, para a gente entrar? Quantas vezes nós tivemos que xingar um major que ficava escondido lá na janelinha da Mercedes-Benz, com um gravador, gravando tudo o que a gente falava? Quantas vezes a gente ia fazer sindicalização na porta de fábrica, e o cara chamava a polícia? O Antenor foi preso, em 1969, porque estava entregando um panfleto, bobagem, não tinha nada no panfleto, apenas falava: “Aumento de salário”. Foi preso ele e mais um grupo de companheiros, aí.
Então, nós fomos conquistando passo a passo. Hoje eu acho que não precisa mais fazer as greves barulhentas que a gente fazia. Hoje eu tenho noção, quando... Eu moro aqui, desse lado aqui, no começo da Faria Lima, e de lá de cima eu escuto o discurso na porta das empresas. Então, eu fico pensando nos companheiros que moravam ali, perto da Volkswagen, quando a gente ia, às 5 horas da manhã, falar a quantidade de palavrões que a gente falava, como é que eles xingavam a gente.
Uma vez, eu fui em São Paulo fazer uma assembléia, às 6 horas da manhã, lá na Philips. E quanto eu termino o discurso, falei, falei... na época era contra o Joaquinzão. Falei, falei, falei. Quando eu desço do caminhão tem uma mulher e duas crianças na janela. A mulher falou assim: “Lula, por favor. Você não tem mulher e filho não?” Eu falei: “Eu tenho”. “E por que você não vai gritar na porta da casa dela?”. Então, eu daqui, do meu apartamento, de vez em quando eu vejo o feijózinho “esguarelar”. Fico o ouvindo “esguarelar” lá: “Porque não sei das quantas”, tal.
Bem, hoje, quando eu chego na empresa, que eu vejo aquele jornalzinho transitar na linha de montagem, que eu vejo a comissão da fábrica com o poder de resolver os problemas internos, isso são conquistas históricas, que o Brasil inteiro ainda não conquistou. Este Sindicato aqui, e possivelmente o Sindicato dos Bancários de São Paulo e de outros, são quase que... são exceção. Nós temos sindicatos importantes, e o sindicato ainda não conseguiu fazer o caminhão chegar na porta de fábrica, porque tem um cano soldado, para o caminhão não encostar. Às vezes, chega em lugares aí, para o dirigente sindical entrar junto comigo, eu tenho que dizer: “Vai entrar”, e o agarrar.
Então, o que vocês conquistaram aqui é de uma grandeza que certamente quem está aqui dentro não tem noção do que significa a conquista que nós tivemos. E tudo começou a partir de 1978. Obviamente que começou antes, eu também não quero achar que o Brasil começou depois de mim e depois do Sindicato. Não. Antes já teve outras lutas, teve a greve de 68, de Osasco, a greve de Contagem. Mas depois tivemos um período, voltou em 78. E eu acho que nós, na minha opinião, fomos, senão a única razão, mas uma forte razão pela qual a gente conquistou a democracia no nosso País.
E eu, de vez em quando, companheiros, quero dizer para vocês que eu estou deitado, lá em casa, fico olhando para o teto e fico imaginando: “Será que é verdade que eu sou o Presidente da República? Será que é verdade?” Porque na vida da gente é muito tempo 30 anos, mas, na vida histórica de um País, 30 anos não é nada. O que nós conseguimos avançar, nesses 30 anos, foi uma coisa extraordinária e que nós precisamos aprender a valorizar isso. Os trabalhadores daqui, dessa região, tiveram um ganho excepcional, não do ponto de vista de renda, mas do ponto de vista da autoridade moral, da conquista política, da afirmação de princípio. Foi uma coisa que valeu a pena.
Eu quero dizer para vocês que, para mim, a greve da Scania marcou a minha vida. Marcou porque ela foi o começo de tudo, a campanha da reposição salarial, em 1977, mas a greve da Scania foi o coroamento. Ali foi quase que como um tiro de misericórdia nos empecilhos que criavam dificuldades para a gente conquistar a democracia. Hoje, eu sou presidente da República, eu hoje tenho mais noção do que aconteceu naquela época, tenho mais clareza de coisas que eu não tinha noção, mas também tenho clareza da evolução que nós tivemos aqui nesta região. Hoje é muito fácil, o sindicato vai na porta da fábrica, pára mensalista. Mensalista é o pessoal que trabalha no escritório, pára. Mas, naquele tempo, não parava. Precisou inventar operação mão de graxa para parar, precisou xingar. Quantas vezes a gente xingava para parar, era obrigado a dar verdadeiros gritos para poder parar, para o pessoal perceber que a gente estava reivindicando para nós e para eles. Porque eu nunca vi ninguém que não gostava do Sindicato vir aqui dizer para nós: “Olha, o aumento que vocês conquistaram nós não queremos, dar só para quem é sócio do Sindicato”. Eu nunca vi. Então, quando a gente conquistava, a gente precisava jogar duro, porque era para todo mundo. Então, eu acho que isso foi uma conquista que está não carimbado nas costas de cada um ou na frente, mas está carimbado na história dessa categoria. Esse mesmo salão, com umas caixas de som diferenciadas, porque eu gostava de colocar uma caixa de som ali, que era para ter um eco melhor nos nossos discursos, não era Maurício? Para ter um eco mais gostoso.
Eu lembro que, nas greves de 80, nós fizemos uma tática que era o seguinte: a gente fazia assembléia de hora em hora, aqui, neste salão. A mesa era igualzinha a essa, o povo era igualzinho a vocês e a gente ficava: turma das duas, turma da três, turma das quatro, turma das cinco, Djalma agita, Maurício mostra a pauta e Lula encontra o caminho do meio, que o Djalma não queria ter contato, queria só agitar. Isso eram horas e horas, era das duas da tarde às duas horas da manhã e vão dias e vêm dias, cansativo. Depois, a gente ia ao bar do gordo, tomar umas canjibrina.
Então, eu digo isso hoje com a alma lavada. Eu tenho consciência, companheiros, de que eu devo a minha formação ética, a minha formação política, os meus pés no chão, a maturidade que essa categoria me impôs, porque ela, na verdade, é que ditava as coisas que nós fazíamos. Depois de mim, veio o Meneguelli, depois de mim, veio o Vicentinho, depois de mim, veio o Guiba, veio o Marinho, o Feijóo e agora o companheiro Sérgio Nobre. Eu estou convencido, sem demérito a nenhuma categoria, desde 1959, quando este sindicato foi criado, ele sempre foi um dos sindicatos mais importantes do País. Certamente, não por méritos nossos, da diretoria, mas por mérito dessa categoria. Era uma categoria melhor remunerada, era uma categoria que ganhava um pouco mais que as outras, ainda hoje ganha um pouco mais do que as outras. É só pegar a média salarial dos trabalhadores da indústria automobilística de outros estados, que a gente vai perceber que nós estamos em um estágio mais avançado. E é importante a gente manter essa conquista.
Por isso, meu companheiro Feijóo, atual presidente deste Sindicato, eu quero, do fundo do coração... A coisa é tão maravilhosa, gente, que quando nós elegemos o Meneguelli presidente do Sindicato, o Meneguelli tinha dificuldade de falar bom dia, o Meneguelli era inibido, quem não está lembrado? Ele era muito inibido. Alguns meses depois, o Meneguelli já tinha se transformado um dos mais importantes dirigentes sindicais deste País. Em dois anos, ele sai de dentro da Ford, do nada, para ser presidente deste Sindicato e presidente da CUT, em um momento excepcional da CUT.
Então, eu quero, Feijóo, agradecer, primeiro a lembrança que vocês tiveram de fazer este dia. Eu acho que a gente não constrói uma nação, verdadeiramente nação, se ela não conhece a sua história. E maio de 1978 faz parte da história política do Brasil, faz parte da história democrática deste País e faz parte da história do movimento sindical deste País. E mais importante, é que faz parte da formação política de cada um. Do nosso companheiro Renato Tapajós, que vinha aqui muito novinho, sem cabelo branco. Eu quero fazer um filme sobre vocês. E tem mais filmes, porque naquele tempo a gente era chique, a gente tinha escola de cinema aqui, a gente tinha escola de fotografia, a gente fez um outro filme chamado “Linha de Montagem”. A gente tinha escola de teatro, o Expedito fez uma peça em que ele colocava um chifre na cabeça, não sei o que que ele era.
Então, eu quero dizer para vocês: eu não sei quando eu vou morrer. Eu sei que o que eu já vivi foi suficiente para dizer: muito obrigado, trabalhadores brasileiros; muito obrigado, metalúrgicos do ABC; e muito obrigado, companheiros do Sindicato.
Um grande abraço.
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